31 de outubro, DIA DA POESIA.

Texto por: Hugo Drosera

JAYDSON SOUZA – POESIA DECLAMA

O Dia é das Bruxas, mas é também dia do Bruxo! O grande bruxo da poesia brasileira, Carlos Drummond de Andrade, nasceu no dia de halloween há exatos 120 anos, e desde Junho de 2005 a data foi oficializada como Dia Nacional da Poesia. Entretanto, além do dia 31 de Outubro, a data também é celebrada no dia 14 de Março em referência ao poeta Castro Alves (nascido em 1847), mas o projeto de lei que oficializaria a data foi arquivado. Mas tudo bem, a gente comemora nos dois! Afinal, em Março – no dia 21 – também se comemora o dia Mundial da Poesia, data reconhecida pela UNESCO em 1999. 

É muita coisa? Senta que lá vem mais! Dia 20 de Outubro foi o Dia do Poeta, e agora temos um Poeta na redação! Este que vos escreve – o @hugodrosera – é Poeta e se fez assim graças a um texto “cannabista”. Com a licença do leitor para que eu fale em primeira pessoa a partir de agora, em 2013 fui convidado por Jaydson Souza – cinegrafista, artista audiovisual, ativista, documentarista, produtor cultural, ativista, fundador e produtor da “A Rua Declama” e da Lizard Filmes – foi apresentar o projeto audiovisual “A Rua Declama” em um sarau do Coletivo Conteúdo Avulso, que na época eu também fazia parte e estávamos organizando os primeiros saraus de rua do Vale do Aço, lá fui convidado por Jaydson Souza para fazer um vídeo pelo projeto, o primeiro com um poeta que não fosse o Petx MC – fundador da “A Rua Declama” e primeiro apresentador do “Sarau A Rua Declama”. 

Poucos dias depois, gravamos o vídeo “A Rua Declama – Tôco-Chaminé”, que na época repercutiu bastante na “comunidade cannabica”, e mais do que uma crítica antiproibicionista.

Essa poesia também conversa com o cenário local de uma cidade industrial do interior, cheia de medos e hipocrisias. Mas aqui também tem a Revista Ganja, e logo na primeira conversa surgiu a ideia de eu publicar sobre arte, cultura, um pouco de história e também minhas poesias. A primeira poesia não podia ser outra trouxe pra nós a transcrição literal do texto e o vídeo original que já está prestes a completar uma década, e uma conversa com Jaydson Souza sobre esse trecho da história da Poesia em Minas Gerais.

Segue o texto:

Tôco-Chaminé  

Lá do alto eu observei

A cidade toda pita

Qual fumo eu não sei

Só sei que ninguém hesita

Cada um toma um rumo

Mas cada um tem um fumo

Que relaxa ou que excita

Uns fumam nicotina

Uns outros, gasolina

O maior toco é o da Usina

Esse ninguém evita

Chega a toda palma

De quem por aqui mora

A fumaça vem com calma

Você tá pitando um agora

E nem tinha percebido

Que o ar todo poluído

Veio lá daquela tora

Que a usina bola todo dia

Vai de moradia a moradia

Fazendo a sua apologia

Por este vale afora

A fábrica do que eu pito

É toda sustentável

Fabrica um produto

que é biodegradável

Que faz roupa e alimenta

De tudo se inventa

Tem até um combustível

Que funciona nos motores

Mas existem uns senhores

Que pagaram uns doutores

Por uma lei incompreensível

A usina fuma o suor

E é assim que ela ganha

Nenhum fumo é pior

Mas esse ninguém estranha

Diferente do bagulho

que o povo sente orgulho

Quando os homi apanha

Não adianta nenhuma regra

Qualquer uma ela quebra

Enquanto uns fumam pedra

A usina fuma uma montanha

Segue o link do vídeo original:

Também conversamos com o Jaydson Souza, idealizador da “A Rua Declama”.

 segue a conversa:

Primeiramente, “Salve, Zói”! Já sei que o Jayson também atente por Naga, mas todo mundo chama de Zói! Considerando que muitos Poetas usam pseudônimos, fale um pouco dos destes apelidos pra gente?

Naga é um apelido que ganhei na adolecência quando estudava na Escola Estadual Antônio Silva, que fica no centro de Timóteo. Recebi o apelido devido ao tamanho do meu nariz, na época diziam que era grande. E “Zói ou Zóia” é aquela expressão que serve pra todo mundo, houve um tempo que alguns amigos usavam esses termos para se referir uns aos outros, e isso se mantém até hoje.

Você não é Poeta, ou pelo menos não era antes da Rua Declama. Estou certo? Como surgiu a ideia do projeto? Como foi seu contato com o Petx MC? 

Inverno
Primavera
Poeta é
quem se considera.
(Paulo Leminski)

Invoco o supremo poder da poesia para explicar a segunda questão. Acredito que a poesia ou o ser poeta, vai além de escrever poemas (isso eu ainda não faço mesmo) e é na minha opinião um modo de ver/viver/analisar/contemplar a vida de uma forma poética.

Sempre me interessei pela poesia, nos artistas de rua, nos textos autorais da galera da minha quebrada, eu sempre curti esse lance de ficar na praça trocando ideias e conhecendo as pessoas. Eu já conhecia o Petx dos rolês de Rap mas foi em um sarau organizado pelo Coletivo Conteúdo Avulso numa praça em Fabriciano que ele me apresentou a ideia de fazer alguns vídeos dele declamando nas ruas da cidade, e o nome do projeto “A Rua Declama”. Eu topei já de cara, produzimos os primeiros vídeos, a galera curtiu muito e chamou a atenção de outros poetas que nos procuraram querendo participar do projeto, e a partir daí fomos agregando cada vez mais pessoas.

Como você se tornou cinegrafista profissional e nos fale da Lizard Filmes! Além dos vídeos da Rua Declama, tem mais algum trabalho da Lizard que podemos acompanhar? (Aqui quero registrar meu agradecimento pessoal pelo minidoc do Sarau de Bar em Bar)

Eu comecei a trabalhar em produtoras de vídeo muito jovem, eu tinha uns 14 anos, segurei luz, enrolei muito cabo, mas a câmera sempre me fascinou. De lá pra cá trabalhei em diversas produtoras e atuei no mercado audiovisual do Vale do Aço. Porém a grande revolução na minha carreira aconteceu devido a uma mudança tecnológica, que aconteceu com o lançamento das câmeras DSLRs, que são câmeras fotográficas profissionais que com essa mudança passaram a gravar vídeos. Esse equipamento, em relação aos equipamentos profissionais de filmagem da época, eram bem mais baratos. Foi aí que tive a oportunidade de comprar minha primeira câmera. Dai criei a “Lizard Fimes”, produtora de filmes independentes. Um lugar onde eu poderia experimentar e criar parcerias.

A Rua Declama foi sem dúvidas o movimento poético mais importante do Vale do Aço, intercambiou artistas de várias partes do país, serviu de inspiração para vários saraus e slams, além de ter sido o primeiro slam do interior do Brasil! Como surgiu a ideia do Sarau A Rua Declama? Quais as suas impressões sobre a influência da Rua Declama no Vale do Aço?

Quando os poetas começaram a nos procurar querendo participar da série de vídeos, a gente resolveu fazer o sarau pra conhecer melhor as poesias e os poetas. Além disso, a cena de coletivos que ocupavam espaços públicos estava crescendo cada vez mais nas capitais do país e vimos a oportunidade de participar desse movimento. 

Eu acho que A Rua Declama mexeu com as possibilidades do Vale do Aço de fazer cultura, mostramos que era possível fazer muito com pouco, que o simples fato de as pessoas pararem para ouvir o outro era muito impactante, isso transforma a vida de quem fala e de quem ouve.

Como você enxerga a cena de competição de Poesia Falada? Para você, isso mudou alguma coisa na dinâmica dos saraus “não competitivos”? Slam também é sarau? 

Sobre os Slam’s eu acho importante pra cena, pois o Slam tem o circuito, estadual, nacional e mundial e isso cria a possibilidade de fazer o intercâmbio, onde você conhece poetas de outros lugares e outras culturas. E há quem diga que competir é comum ao agir humano, e realmente tem gente que gosta da adrenalina da competição, eu acho essas pessoas muito corajosas. 

Slam não é sarau, o fato de ser uma competição com limite de tempo, regras e tudo mais que está envolvido ali naquele jogo muda completamente o andamento do evento. Sarau é mais solto, menos rigoroso, as regras meio que não existem, o tempo é lento, passar devagar. Eu prefiro Sarau mas reconheço a importância do Slam por causa dessa competitividade que acredito que tem quem goste e principalmente por causa do circuito, que é o mais foda.

No período de um ano, A Rua Declama lançou um documentário e um livro. Conta como foi a experiência e como está sendo a repercussão. Tem algum projeto futuro nesse sentido?

Lançar o Documentário e o Livro foi um mergulho na nossa história. Revisitar os arquivos antigos, ver as pessoas nas fotos, pessoas que estavam desde os primeiros saraus na praça do Fórum foi muito legal. Quantas pessoas incríveis passaram pelo nosso movimento. Foi emocionante.

Sobre projetos futuros, pretendemos voltar a ocupar as ruas e praças da cidade, para distribuir nosso livro e exibir o documentário. 2023 será um ano muito especial.

A Rua Declama é tão importante para o Vale do Aço que, mesmo sendo um movimento originalmente de Timóteo, esteve presente em diversas edições do Salão do Livro de Ipatinga. Qual a importância da Rua Declama estar inserida em um evento como este?

Quando somos convidados para participar de eventos como o Salão do Livro, eu fico muito orgulhoso pois é um reconhecimento de um trabalho que fazemos com muito carinho e responsabilidade. Eu sempre defendi que nosso movimento deveria ocupar o máximo de lugares possíveis. Onde chamar a gente vai.

Além do audiovisual, sarau, slam, livro, Salão do Livro, a Rua Declama também pode ser considerado um projeto social que faz intervenções artísticas e culturais em escolas, centros de detenção, universidades… como é realizar esse trabalho e quais outros ambientes além destes a Rua Declama chegou? Quais foram as experiências mais marcantes?

Nessa caminhada ocupamos faculdades, escolas e teatros mas as experiências mais marcantes foram sem dúvidas quando realizamos oficinas de poesia e saraus dentro do presídio de segurança máxima de Ipaba e com os adolescentes infratores que estão sob a tutela do estado em Ipatinga. Acredito que a poesia é um instrumento de transformação.

Suas considerações finais, “Zói”  ! 
A poesia transformou minha vida, conheci as pessoas mais incríveis que se pode imaginar, aprendi muito sobre afeto, sobre revolução e sobre resiliência. Sou muito grato a poesia por isso.