4 de novembro, DIA DA FAVELA

Texto por: Hugo Drosera

ENTREVISTA COM LEANDRO RIBEIRO – FUNDADOR DA SEDA DE FAVELA

Foi lá em Canudos, cidade rebatizada de Monte Santo por Antônio Conselheiro, líder religioso e social, e seus seguidores, que constituíram uma comunidade autônoma e independente que abrigava e organizava, principalmente, os famintos da seca, retirantes, ex-militares e até ex-cangaceiros, chamando atenção das autoridades e desafiar as investidas da Nova República, proclamada em 1889, sendo portanto considerados “inimigos públicos”. Lá em Canudos, como está registrado por testemunhas oculares dos conflitos, havia o “morro da favela”, por causa de uma árvore que nascia no local, sendo assim chamada de “Faviela”. Mas como o nome chegou a outros lugares e se espalhou pelo Brasil nas comunidades empobrecidas neste país continental tão rico e desigual?

Em 1897 houve o regresso dos soldados vitoriosos da Guerra de Canudos, se é que é possível chamar de vitória o massacre de cerca de 25 mil camponeses no sertão Baiano, cometido por esses mesmos soldados liderados por um general de guerra e 300 toneladas de armas e munições, além de um canhão de 3 metros apelidado “matadeira”. A estes soldados sobreviventes foi oferecido um soldo que não foi pago pelo governo e assim se insurgiu uma revolta no Rio de Janeiro, que desde 1871 passou a abrigar os “filhos” da Lei do Ventre-Livre que chegaram à cidade buscando oportunidades de trabalho e que com a assinatura definitiva da Lei Áurea em 1888, recebeu uma quantidade ainda maior de ex-escravizados. 

Ex-combatentes de canudos e ex-escravizados formaram uma massa empobrecida que passou a ocupar o antigo Morro da Providência, e apelidaram aquela comunidade ao pé do morro de “Favela”, numa trágica lembrança da injustiça que acometeu Canudos e seus habitantes.

Sabemos que a História é por muitas vezes triste e trágica, mas nem só de tragédias é feita a vida. Tão importante quanto a luta, é poder ressignificar essas lembranças e transformá-las em combustível para que se inflamem novas possibilidades para essa massa trabalhadora e criativa que vive pelas favelas do Brasil. Pensando nisso, a Revista Ganja conversou com Leandro Ribeiro, proprietário da Seda de Favela, uma marca de produtos destinados à tabacarias, que vem se alastrando pelo mercado nacional e estampa com sua vida e sua história a representatividade que a Favela merece! 

E aí, será que a Favela venceu?

 Deixa que o Leandro nos responde.

Primeiramente, salve, Leandro! Damos graças pela disposição em conversar com a Revista Ganja! A Seda de Favela é uma empresa que, já no nome, mostra um foco na representatividade da cultura de favela. Conta pra gente sobre o que significa sua empresa pra você:

A minha empresa é um resumo do que eu sou! Pra começar, não somos uma empresa só para vender tabaco ou vender seda… a nossa empresa tem um propósito! A Seda de Favela é uma empresa que enxergou a necessidade do Brasil de incluir, representar e evidenciar as favelas usando arte e cultura em homenagem às mesmas. Tipo assim, eu fiquei quatro anos preso, no fundo do poço… meu amigo até veio aqui ontem, reclamando da vida, sabe o que eu fiz com ele? Falei com ele “vem cá, vem cá, vamo ali na cozinha”… abri a geladeira, peguei um copo de água, bebi e falei “irmão, cê tem noção do que é eu agradecer por isso hoje?! Por que até ontem eu não podia nem fazer isso! Cê sabe o que é a dor do ser humano de ter sua liberdade tirada, não poder abrir a geladeira e pegar um como de água, irmão? Pior ainda, por consequência dos seus próprios atos, tá ligado? Que geraram todo um sofrimento pra mim mesmo”. Na mesma hora ele… (fazendo um sinal de quem se impactou com a mensagem). É pra isso que eu sirvo, entendeu? Eu estava usando minha inteligência para o lado errado, simplesmente… só que eu creio num Deus que tem olhos e está vendo tudo, e eu creio que vamos prestar contas com ele um dia. 

Já ficou claro também que para você não é tabu falar em Deus e sobre a sua situação de ex-detento. Como é a relação entre essas coisas para você? 

Era pra eu estar revoltado, só que eu sou uma agulha no palheiro. Se você fizer uma pesquisa com ex-detentos por aí, eles não tem uma perspectiva de vida, tá todo mundo revoltado, tá todo mundo doente da cabeça, com depressão, ansiedade entendeu? Foi lá dentro que eu tive Deus comunicando comigo mesmo, entendi que Ele permitiu isso. Então eu vou exaltar o nome dele.  Fiquei quatro anos preso, durante dois anos eu não tinha perspectiva nenhuma! Eu tava preso irmão! O que eu ia fazer? Estava morto, pior que Lázaro! Tava morto e enterrado, com o Espírito abatido. Mas a Palavra diz que quando a nossa carne está fraca, nosso espírito está forte.

E essa ideia surgiu lá na detenção ou depois que você saiu? Como foi esse começo?

Um dia eu estava fumando um lá dentro, olhei pra caixinha da seda – não vou falar o nome agora dos amigos que tinham (risos) – e falei “vou personalizar essa p*”! Na mesma hora eu já visualizei e falei pra mim mesmo “vou tirar uma foto panorâmica de cada favela, num lugar maneiro e vou botar nas caixinhas de seda… SEDA DE FAVELA”! Ali eu tive a resposta de Deus, Deus falando assim “fica tranquilo por que tudo que você perdeu não era seu. Não era nada teu por que você conseguiu na tua vida errada. Quando você sair vai montar sua empresa e vai replantar esse caminho maldição que você faz sabendo a Palavra”. Foi isso que eu senti! Eu já tenho isso no meu coração. Eu tento não mencionar o nome de Deus mas eu não consigo, é como se tivesse um fogo serrando meus ossos. 

Imagino que deva ter sido um turbilhão de pensamentos. Como você organizou isso na sua cabeça?

Fiquei cocriando aquela ideia dois anos. Desesperado! Imagina a ansiedade… comecei a treinar, me levantar e não deixei me vencer. Quem manda em mim é o meu espírito e minha alma tava abatida, mas “tá tudo bem”, mas David pregava pra própria alma: “por que te abates? Por que está triste?” Por que da alma vem o sentimento, eu dei uma ordem pra minha alma não se abater por causa daquilo tudo ali que eu tava vivendo la dentro. Foi um tratamento de choque. Se tu não tiver um propósito dentro de você, você não consegue não.

A gente sabe que as leis de execuções penais não são cumpridas no sentido de ressocializar a pessoa em situação de detenção e que são muitos os caminhos que podem levar ao crime. Você tira muita força da fé que cultiva, mas essa energia vem de outros lugares também?

Vem disso tudo aí também, dessa revolta, de querer uma vida melhor, nós somos um país rico, a fazenda do mundo! Então eu tinha toda essa revolta mas não tava expressando ela da forma certa, estava expressando ela com mais ódio ainda. Eu pensava “o que é isso?! A Bíblia diz que eu sou Rei-Sacerdote da Terra, que eu sou herdeiro com Cristo”. Como é que a gente vai viver passando dificuldade? Vendo o filho querendo um picolé e não poder dar… Eu estudei muito, li a Bíblia mais de cinco vezes, fui pra igreja evangélica e tive um encontro com Deus. O ser humano tá vivendo com muita falta de amor. Tá todo mundo carente de prosperidade, o Brasil não precisava nem cobrar imposto!

É notável a criatividade empregada nos produtos. Como você se vê inserido nesse mercado de sedas nos próximos anos?

Eu sou a nova Coca-Cola do mercado de sedas (risos)! Meus concorrentes estão todos milionários, só que eu sou a “Seda de Favela”, eu chego em lugares que eles nem imaginam. Sem querer parecer soberbo, mas eu não sou só uma “marca de seda”. Nenhuma caixinha vai ser igual a outra! Tem caixinha da favela da Rocinha, da Chumbada de São Gonçalo onde eu sou cria… daí tem a mensagem motivadora “riqueza é nossa mente”, “a favela venceu”, “sou da chumbada, nasci pra subir”, e ainda tem escrito sobre as imagens “caixinha não é piteira”, e por que? Por que eu sou um artista, faço a parada com o maior amor pra gente poder colecionar, pra pessoa não rasgar. São imagens reais, entendeu? A seda é de cânhamo, a qualidade é incontestável! O cânhamo é uma matéria muito rica, até o exército americano usa coturno de cânhamo.

Quanto tempo tem a empresa e quais as estratégias para alcançar tantos lugares? Tem algum passo importante que você queira dar?

A empresa fez um ano e quatro meses. Inicialmente a gente tinha uma visão de distribuir “kit” pra um monte de artistas pra divulgar a marca mas agora reorganizamos a empresa. Eu não sou nenhum louco, eu vim do improvável e estamos crescendo nesse conceito! Temos projetos até de preservativo. E o bagulho é só crescimento! Vou participar esse mês do “Rio Inovation”, terei um stand lá, vão ter vários investidores lá. Eu falo pra Deus que se tiver que vir um investidor, que seja uma pessoa que já sabe do entendimento da vida, que não tem olho grande na vida dos outros, pra me ajudar a aumentar a minha empresa. Seria ótimo! Isso aqui tudo veio da minha mente, entende? Quem faz o design de tudo sou eu! Tudo que você vê de design da Seda de Favela quem faz sou eu. Só isso já é um trampo enorme, se tivesse um investimento em um maquinário, por exemplo, eu iria avançar de uma forma… 

São muitos corres nas suas costas! Você não fica sobrecarregado? Essa pilha não descarrega? Espero que você já esteja tendo um bom retorno com tudo isso…

Se eu não fizer, ninguém vai fazer não, cara! É 24h aqui por que eu tenho que fazer um post, fazer um estoque… a gente tá galgando um caminho que não é conto de fadas, isso é trabalho e só planejo ganhar dinheiro mesmo daqui uns anos, ai eu terei o pé não chão pra tirar o meu dinheiro. Enquanto é isso é Seda de Favela pra tudo! Não tem como tirar pra mim por que tem que reinvestir, tem serviços terceirizados, daí tem guerra no mundo e não chega produto, então é tudo uma logística em que eu não sou contador, não sou administrador, eu não sou p* nenhuma! Eu só tenho a ambição de vencer. Minha inteligência tava sendo usada para o mal, não vou fazer pelo bem? Tenho dois filhos, minha mulher tá grávida, virá outro nenenzinho… tenho que fazer isso mesmo, e eu vou fazer por que eu amo, enquanto eu estiver vivo vai ser Seda de Favela.

E a Favela? Como ela tem recebido a seda que leva esse nome?

Qualquer favela que eu entro eu sou bem recebido. Mês passado roubaram o carro do meu pai e me ligaram falando que iriam devolver o carro por causa da minha marca, só pediram um “kit” (risos). E eu respondi “como é que eu não vou te dar, tá doido? Isso daí é pra vocês mesmo”. Tem noção do que é isso? Eu criar um conceito e ver a favela sendo representada. Todo dia eu recebo mensagem de motivação, alguém reconhece a Seda de Favela, alguém começa a seguir.

Passar por tudo isso depois de sair “de lá” deve ser mesmo engrandecedor. Fale um pouco disso, por favor!

O último dia que eu saí daquele lugar eram 6h da manhã, estava amanhecendo, eu vi uma fileira de formiga com um monte de folhinha nas costas daí Deus falou “tá vendo as formigas? Salomão observava as formigas”. Salomão observava as formigas e Deus falou que ele podia pedir tudo e ele pediu sabedoria. Ele observava as formigas por que elas trabalham em comunhão pra sobreviverem no inverno. Eu vim com esse propósito. Não é só por dinheiro. Hoje eu tenho nojo de ideia de crime. Eu falo para os meus amigos que cantam que “se tu soubesse da consequência que isso tem pra tua alma você ia ter vergonha de cantar música de crime”. Eu quero que cantem motivação. O crime é uma forma covarde de se entregar pro sistema. 

Pelo visto, você não pretende se entregar, desde já desejamos força e garra nessa missão. Mas com todas essas incertezas que o país vive, você acha que é uma boa hora para investir num mercado de um produto que ainda não foi totalmente descriminalizado?

Eu vou vencer, irmão! Eu já prometi que se eu juntar 1 milhão de reais, vou distribuir 100 mil pra quem precisa. Eu espero que o Brasil dê oportunidade pra gente crescer dessa forma. O mercado canábico tá crescendo, não pára de abrir head shop e tabacaria. A gente trabalha com material sustentável e eu quero chegar num ponto que a gente tenha brownie da Seda de Favela, óleo, todo tipo de material que a gente puder abranger eu vou querer por que esse crescimento não pára, é notável. É que nem vender papel higiênico, as pessoas vão continuar comprando. Não tem pra onde correr e agora é o nosso momento. É o momento do Brasil da gente ser reconhecido e eu quero viver do meu sonho, é o que eu amo. E, vou te falar, o mundo seria bem melhor! As pessoas estão com uma visão distorcida do mundo. A ideia é sempre passar uma visão, na seda, na postagem, de uma perspectiva melhor do mundo. A planta tem tudo e seguem criminalizando a planta. É uma covardia, e vem mais crise. Essa política econômica que a gente tem já é fracassada. Eu não sou contra nem a favor de um ou de outro. Só sei que é um absurdo! Não tenho que esperar, um país rico, cheio de petróleo, cheio de tudo, a fazenda do mundo. Era pra gente viver num país rico! A gente não tinha que ficar correndo atrás de dinheiro, era pro dinheiro vir até nós. Mas enquanto isso, esse mercado é gigantesco, é muito remédio, é muito benefício, e isso é legalizando uma coisa só, hein. Imagina tanto que isso move no resto do país.

Como você enxerga a crise política no nosso país? Você tem alguma posição definida quanto a isso? Quais suas expectativas para o cenário que se apresenta?

Eu não to critico o Lula por que toda autoridade é instituída por Deus mesmo sabendo que ele já vacilou. Mas beleza, ele tá lá agora, ele tem que apaziguar o povo, fazer a economia girar. Se não for ele é o Bolsonaro, e aí? Essa questão é muito maior. A gente nem usa quase nada do nosso cérebro, a gente tem o entendimento limitado. Se fulaninho fumou uma maconha e não vai pro céu, se o outro jejuou, Deus não tem uma prancheta na mão, não… eu também não entendo essa briga que Ele colocou a gente, mas eu sei que ele ama a gente. Existem milhões de interrogações na minha mente, mas só sei que ele nos criou. O mesmo amigo pra quem eu mostrei o copo de água (começo da entrevista) falou comigo que o inferno é aqui. Eu questionei e ele até me cortou, dizendo que sabia o que eu tinha vivido e eu falei “não, irmão, inferno não é aqui, não é dentro da cadeia, sabe por que? Você vê um filho nascer, não pode ser o inferno. Você ver a felicidade do teu filho, a alegria de uma criança, não pode ser o inferno, você beber uma água gelada, comer uma comida gostosa, não pode ser o inferno!” A gente tá fadado a errar mas o arrependimento é muito importante.  Era pra eu estar em depressão, o que o governo faz com a gente… mas enquanto há vida há esperança.

Sobre o sistema carcerário, o que você pensa das leis e das condições que são dadas ao condenado? Você acha que a lei anda fazendo justiça?

Tenho amigos que estavam lá dentro que hoje vem trocar ideia comigo, outros que estão no caminho ruim de novo mas vem trocar uma ideia comigo. O propósito é esse, na leveza. Por que, imagina, eu fiquei quatro anos, então conheci muita gente. Imagina aquelas pessoas que dividiram comigo lá dentro, comendo pão puro. Quero que elas vejam que se eu consegui, elas podem conseguir também. Sobre a lei, eu penso que se a gente fez errado tem que pagar. Se a gente não paga aqui, paga em outro lugar. As vezes as pessoas enganam a justiça, acham que vai passar batido na vida mas não vai. Tudo que você me perguntar vai ter uma base em Deus por que é nisso que eu creio. Sobre lei, é a lei que a gente tiver que cumprir. Mas que seja uma pena justa. Não vai dar pena máxima pra quem roubou uma batata frita no mercado. E sobre a maconha, por mim já pode descriminalizar e soltar tudo. O cara ficar preso por um bagulho que é remédio… eu fico triste, a raiz é muito profunda. Eu sei que minha pena foi justa, que foi justo o que eu passei, eu tive que pagar. Você acha que eu reclamo? Glória a Deus, por que era pra eu estar morto! De ter a oportunidade de fazer o que eu amo, mas que a lei seja justa para cada um. Mas quem vai fazer essa lei justa? Quem vai reformular essas leis? Tem muitas coisas… esse é um assunto muito complexo.

Sei que esse é um assunto sensível, porém a gente sabe que as leis de execuções penais não são cumpridas regularmente e que o sistema carcerário cria pouca ou nenhuma condição de ressocialização. Qual a sua opinião sobre a organização dos presídios nesse sentido?

Isso aqui é o Brasil, era para o presídio estar igual casa de madame. Isso não ia isentar o preso de pagar o castigo dele. Isso que eles não entendem. Não adianta deixar o presídio como tá, desumano, isso só piora tudo. A raiz taí também. Você pode estar numa casa de luxo, se você ficar preso 24h você ficará maluco. Você tá preso! Não vai ter luxo ali que vai ter fazer ficar perto da tua filha, da tua mãe, o castigo já está acontecendo. Mas eles pioram a cadeia, já fiquei no isolamento, tinha gente que dormia em pé, a comida vir com caracol, com pedra. Nem todo mundo vai ter a mente do “Leandro Ribeiro”. Aí vem outra raiz: a pobreza e a desigualdade, e isso vem antes da cadeia. Tem um monte de gente dentro da favela que não tem mesmo a oportunidade, não tem! As vezes nenhuma mesmo! “Ah, vai vender doce na rua”, mas não dá pra sustentar dois ou três filhos. “Ah, mas por que foi ter dois, três filhos”, eu vou julgar?! A princípio tem que legalizar a maconha mesmo, parar de prender gente por causa de prensado… imagina se pudesse plantar em casa? Que isso, pelo amor de Deus! Vai arriscar plantar uma planta gringa, pega dois, três anos de cadeia. Os caras lá fora fumando só iguaria e a gente aqui fumando prensado e virando bandido. 

Alguma consideração final sobre isso? Deixa uma mensagem pra gente!

A gente vai trazer pra cá o mundo agora, vai mudar! Não precisa nem ir buscar, vai chegar até o Brasil. Papo reto!