A ERA DE OURO DA CANNABIS

Texto por: Marcel Lyra | Arte por: Natália Lobo

Para muitos a época de ouro é o presente, mas a história mostra que já tivemos uma era canábica muito mais dourada

Há muito tempo atrás, antes de qualquer debate sobre o uso da planta, o mundo viveu um período em que a cannabis era comercializada livremente como medicamento em forma de tinturas, extratos e cigarros. Tudo sem hipocrisia. A ideia básica da cannabis como remédio, e suas diversas formas de uso, é muito anterior à história escrita ocidental. 

Nos últimos anos, temos visto uma retomada no uso em tratamentos fitoterápicos e, apesar das tentativas falhas da indústria farmacêutica em assumir, sintetizar e padronizar os componentes químicos das plantas, as tinturas e as infusões com as próprias plantas mantêm-se como pilar no uso da cannabis. 

Os cem anos entre 1837 e 1937 foram os anos dourados da ganja. Como não havia restrição à planta, o uso medicinal era corriqueiro. Havia vários anúncios patrocinados por médicos e clínicas exaltando os benefícios da cannabis em tratamentos de saúde, algo até relativamente parecido com os dias atuais, não é mesmo? 

Durante o centenário de ouro da ganja, a cannabis foi o segundo ingrediente mais usado em medicamentos oferecidos pelas farmácias europeias e americanas, perdendo apenas para opiáceos. Em 1839, o cientista irlandês Dr. William Brooke O’Shaughnessy (1809-1889) apresentou ao mundo ocidental o uso medicinal secular da maconha e do haxixe na Índia. A partir de suas publicações, o extrato de cannabis começou a ser adicionado às tinturas, infusão à base de álcool. Estas foram combinadas com opiáceos e outros extratos de ervas, e às vezes até com cocaína. 

Em meados do século XIX, quase todos os farmacêuticos faziam suas próprias tinturas, que eram tidas como um medicamento usado para todos e para tratar todos os tipos de aflições. Os médicos as prescreviam tanto para jovens quanto para idosos. Uma indicação de uso muito comum era misturar algumas gotas de  tintura com água morna para tratar cãibras musculares, histeria ou dores menstruais.  

Outras indicações eram para problemas respiratórios como asma, bronquite e tosse. O mais curioso era que para essas patologias o métodos de uso recomendado era de forma inalada, com os famosos, na época, “cigarros índios” feitos de “cannabis indica“, e eram vendidos sem restrições. Seus benefícios eram veiculados em testemunhais na seção livre de pequenos anúncios de jornais da época. Além de problemas respiratórios, os cigarros feitos a partir da cannabis também eram indicados para insônia. 

No Brasil, os usos das tinturas e cigarros também foram difundidos, ficando bastante famosos a ponto de ter um relato muito interessante publicado por jornais da época: “Um infeliz carregador de jornais, atacado de violenta asthma com suffocações, ia ver-se obrigado a abandonar a modesta posição que lhe assegurava o pão, bem como à família, quando leu casualmente um jornal que tratava da efficacia dos Cigarros de Cannabis Indica da Grimault & C. Fez uso dela, e tão satisfeito ficou que, no auge da alegria, escreveu que sem elles sua vida seria impossível” esse relato é de 1896. 

Mas, no final do século, isso foi sendo assumido de vez pelas empresas farmacêuticas e essas empresas anunciavam nas principais revistas e publicaram catálogos de medicamentos. Por fim isso, cessou no início do século XX, à medida que a proibição da cannabis foi sendo implantada de forma racista e xenofóbica, deixando para trás anos de avanço.  

Fontes : 

Acervo Estadão

Livro – The Pot Book

Museu Hashmuseum