Daniela Arruda “Eu disse sim para Cannabis”

Entrevista por: Andrea Terra

Mulheres maduras e a descoberta da Cannabis na vida adulta

No nome dela tem Arruda, uma erva de poder. Mãe de duas crianças, casada, musicista, feminista, médica prescritora de cannabis medicinal e usuária. Pesquisadora das ervas e da ginecologia natural. Daniela Arruda vai dividir esse bate-papo comigo sobre a nossa querida ganja. 

Andrea Terra:  Desde de 2014, a Anvisa passou a autorizar a importação de remédios à base de Cannabis. Quando foi que você se viu fazendo parte dessa revolução e como começou a prescrever cannabis para seus pacientes? 

Daniela Arruda: Sim, lembro dessa época, já estudava sobre a Cannabis. Foi o início do caminho para a primeira autorização de casos bem específicos como epilepsia infantil refratária aos alopáticos. Já em 2015, a Anvisa retirou o canabidiol da lista de substâncias proibidas no País, classificando-a como substância controlada. 

Com a Resolução da Diretoria Colegiada RDC N 327/2019, que dispõe de regras para a importação, fabricação e demais regularidades, percebemos como a demanda cresceu devido às melhorias que a Cannabis trouxe para diversas enfermidades. 

Iniciei os estudos primeiramente pelo Sistema Endocanabinoide no Rang Dale e os estudos científicos publicados pelo maior ativista brasileiro: o doutor, médico e professor Elisaldo Carlini, que deixou um legado de estudos não só sobre Cannabis mas sobre o uso de substâncias psicotrópicas  no Brasil. Depois me deparei com diversos profissionais: SBEC – Sociedade Brasileira de Estudos de Cannabis, fiz o curso elaborado pela Unifesp sobre Cannabis Medicinal, daí em diante não parei mais de estudar como tudo na medicina. Continuemos a nadar…

Comecei as prescrições quando foram chegando pacientes e, a partir da melhoria deles, outros vieram chegando. Venho produzindo os relatos de casos há dois anos e seguimos. 

Andrea Terra: A Cannabis vem revolucionando a medicina, em uma abordagem ampla e multidisciplinar onde o tratamento é mais que individual, ele é personalizado. Quais obstáculos você enfrenta na aplicação desta medicina? 

Daniela Arruda: Este olhar personalizado que você diz, Dea, é aquilo que chamamos de integrativo. Trabalho nesta abordagem da medicina integrativa, trazendo a importância de realizar um tratamento individual para cada ser humano e sempre multidisciplinar. A Cannabis é uma ferramenta fantástica, e mais ainda se o paciente dispuser de outros pilares de saúde conseguirá resultados ainda mais surpreendentes.

Os principais obstáculos que a sociedade enfrenta diante aquilo que almejamos em saúde é justamente que fomos capacitados a acreditar que o que está na gôndola do supermercado é alimento e o que está na prateleira da farmácia salvará a vida. 

A Cannabis traz o sinal verde de uma revolução. Afinal, uma planta tão discriminada em nosso país, pode também trazer inúmeros benefícios à saúde. E abrir este debate vai trazer consciência do que realmente é saúde.

Andrea Terra: O proibicionismo afeta toda a sociedade, não apenas os usuários de maconha como também usuários de outras drogas, além de nos manter longe das pesquisas e da verdade. Como você vê o proibicionismo, e como ele te afeta no exercício da sua profissão? 

Daniela Arruda: Bom, sabemos que é um assunto muito velado em nossa sociedade e quando em evidência aponta como o cenário ainda necessita de discussões! Uma vez que a mesma sociedade que se choca com os cenários da “Cracolândia”, não compreende os impactos negativos que o uso do álcool traz para a sociedade. É a mesma sociedade que moraliza o usuário de maconha mas faz uso de medicamentos psicotrópicos de maneira exponencial. 

O proibicionismo silencia e é ineficaz. Muitas vezes ele afasta os pacientes de seus tratamentos, trazendo frustração e o sentimento de incapacidade.

Na minha profissão, como médica do Sistema Único de Saúde, percebo que as políticas de drogas e saúde mental necessitam estar voltadas à redução de danos. Afinal, as drogas fazem parte da história da humanidade.

Andrea Terra: A Cannabis ao longo do tempo vem tratando diversas patologias e a cada dia a gente vai descobrindo uma nova vertente para o seu uso. Em relação a redução de danos, o que você acha que ela é capaz? 

Daniela Arruda: Na redução de danos tiramos a droga da protagonização e colocamos quem realmente importa: o paciente. 

Orientamos e oferecemos ferramentas para que a pessoa interaja com o todo de outras formas e assim ela conseguir entender essa relação com determinada droga, seja reduzindo o uso, seja cessando se for de seu desejo.

Existem relatos de pacientes usuários de cocaína que conseguiram parar após iniciar o uso de maconha. Isso é redução de danos.  

Falar em redução de danos ainda é muito recente no Brasil. Precisamos de incentivo, políticas e estudos para romper as barreiras que o proibicionismo traz.

Andrea Terra: Eu tive o meu primeiro contato com a Cannabis aos 36 anos de idade e antes disso era muito preconceituosa, achava que a maconha deixava os meus amigos mais bobos. Eu tinha pânico em pensar que podia ficar fora de controle. Mas a vida foi acontecendo e muitas das minhas certezas foram acabando. E com você, Dani? Quando ocorreu sua primeira interface com a ganja? Você já teve preconceito?  

Daniela Arruda: Nunca tive preconceito. Acredito que o proibicionismo traz essa visão e nunca concordei com esta política, desde que a estudei e a entendi! Os anos 90/2000 ainda foram muito liberais com álcool, tabaco, solventes (lança-perfume) e os jovens tinham total liberdade, mesmo que legalmente proibido, consumiam essas drogas abertamente e até aceitáveis pela sociedade. Já a maconha era vista como preocupante, até pelos jovens que optavam pelo kit: álcool, cigarro, lança, LSD, anfetaminas. A lista é grande!

Isso mostra como o preconceito está ligado a estruturas do racismo, quando você aprofunda sobre a história da Cannabis no Brasil!

Experimentei ainda na adolescência, o que não é nada aconselhável nem recomendado! Mas a ganja foi e é a minha libertação! A planta que escolhi para aliviar ansiedade, insônia, tensões e dores e também para momentos recreativos com a família, os amigos ou na natureza. 

Andrea Terra: Quando eu fumei pela primeira vez a onda não bateu, eu tive que ter uns oito encontros com a erva para entender o recado dela. Mas assim que bateu pude experimentar as sensações de relaxamento, bem estar, humor, audição e paladar aguçado, prazer, criatividade. Foi uma verdadeira explosão na minha cabeça no melhor dos sentidos, por poder vivenciar tantas possibilidades. Por muito tempo achei que fazia o uso adulto e foi em uma conversa com você que descobri que maconha é medicinal de cabo a rabo e que fumar é apenas uma via de administração. Tudo isso me transformou, passei de preconceituosa a ativista. Você teve sua primeira experiência na adolescência e depois na fase adulta. Você poderia nos dizer o que mudou na sua percepção em relação ao uso da Cannabis nestas duas fases tão distintas da vida? 

Daniela Arruda: Acredito que o que mudou não foi o uso, mas a minha percepção perante a vida. As responsabilidades, os deveres, e o meu local de fala me trazem uma postura mais presente em mostrar para a sociedade que é possível dizer sim para a Cannabis. Hoje, adulta, me vejo como ativista para quebrar mitos preconceituosos em relação à planta.

Me pergunto todo dia como usuária adulta: por que não tenho o direito de consumir uma substância que eu saiba realmente onde e como foi produzida. 

Andrea Terra: A Cannabis na vida de uma mãe, muitas vezes envolve preconceito, julgamento e violência por parte da sociedade. Como você interage com essa realidade?

Daniela Arruda: Uma realidade triste e muito presente, que escancara o proibicionismo, o patriarcado, o machismo estrutural, os preconceitos de classe e cor.

Andrea Terra: Acredito que a desconstrução do mito da cannabis demonizada seja uma das tarefas dessa nova geração, que possivelmente vai ver a Cannabis legalizada no Brasil. Eu sei que você faz parte de um coletivo @segurandoaspontas e gostaria que você nos contasse um pouco mais sobre ele. 

Daniela Arruda: Somos um coletivo de mulheres mães antiproibicionistas. Damos apoio médico, terapêutico e jurídico para outras mães em situações de vulnerabilidade. 

A Cannabis é a substância mais usada por gestantes e mães, e apesar de não ser recomendado, o fato não deixa de existir. Temos o intuito de romper preconceitos e trazer pesquisas sobre o tema, além do principal que é o acolhimento e o apoio. Possuímos grupo terapêutico semanal, além de grupos de estudos sobre maternidade e drogas e também de escrita sobre si, uma ferramenta que ajuda no desenvolvimento estrutural do SER.

Andrea Terra: Para finalizar esse bate-papo cheio de amor à planta, gostaria de saber qual seria o futuro ideal para você com relação à nossa querida maconha.

Daniela Arruda: Um futuro onde as barreiras de estruturas hipócritas sejam quebradas. Que possamos ser honestos e justos com a nossa história e com a reparação da mesma. Que tenhamos uma regulamentação, fiscalização e legalização afinadas trazendo respeito, integridade, equidade para a população, seja para o paciente e também para o usuário de Cannabis.