As Perspectivas Antropologicas da Criminalização do Brasil

As perspectivas antropológicas da CRIMINALIZAÇÃO DA MACONHA no Brasil

Texto por: MURILO BARIONI

Imagem por MARCUS COSTA

ARTIGO

AS PERSPECTIVAS ANTROPOLÓGICAS DA CRIMINALIZAÇÃO DA MACONHA NO BRASIL.

Os discursos propiciados pelos imperialistas motivaram a desinformação sobre o tema da maconha no território latino americano. Neste estudo baseado nas áreas das ciências sociais, observaremos as nuances do epistemicídio e como essa modalidade é utilizada até os dias atuais para a alienação da sociedade.

A maconha está incluída neste sistema criminalizado pelo fato de estar associado às classes marginalizadas da sociedade. Partindo da história, podemos notar um sistema necrófilo, com suas raízes coloniais e inquisitoriais.
Analisar uma pequena porção desse cosmos que é o assunto da maconha no Brasil nos demonstra a face oculta de um Estado que está mais presente nesta perspectiva do que na “forma” de um ente personalizado para representar seu povo.
O estudo percorre suas linhas em duas teses vinculadas ao modelo eurocêntrico, aos quais os colonizadores criaram este sistema de Estado e “saber civilizatório epistêmico”, apagando e assassinando a história do povo brasileiro, sejam os negros ou indígenas, por acreditarem que eram superiores aos colonizados.
As peles não-brancas não eram considerados como parte da humanidade pelos Europeus. Isso não somente aconteceu com os povos da África, mas também com os nativos originários da América Latina. Seus corpos eram vistos como objeto, como parte da engrenagem para obtenção do lucro.
O epistemicídio explica o lapso que temos perante nossa própria história, pois foi utilizado como veículo para a alienação. A crítica percorre quanto aos saberes pedagógicos que foram excluídos da sociedade civil brasileira, pois somente um povo que conhece sua história pode progredir rumo às conquistas sociais.
O racismo e o xenofobismo são exemplos dos meios de discriminação da cultura não-branca, modelo que são aplicados o genocídio, etnocídio e epistemicídio para essa comunidade que sempre esteve às margens da sociedade. Há que se ressaltar sobre a necropolítica, adotada para objetivar esses indivíduos, tornando-se sem valor humano o indivíduo, podendo ser violado legitimamente seus corpos e culturas.
A maconha associada às classes marginalizadas foram um dos preceitos que a supremacia branca utilizou para criminalizar os grupos latinos e negros. A história traduz isso perfeitamente, pois o Brasil ainda aplica esse modelo do sistema romano, inquisitorial, coercitivo e violento.
A construção do epistemicídio social envolto sobre o tema da maconha está ligado aos interesses de outras soberanias, envolvendo esses discursos manipuladores diretamente nos países latino americanos, com drásticas consequências para estes países.
O discurso político-jurídico transnacional é um referencial para discutirmos sobre como as ideias coloniais ainda estão fortemente vinculadas às nossas raízes históricas e como essa ação do passado ainda reflete nosso plano atual. Esse discurso, capaz de envolver nações a um único objetivo, explica a geopolítica utilizada para fomentar a guerra às drogas, com ideais e práticas imperialistas e eurocêntricas.
Apresentar estudos que ressaltam a história da maconha e do povo brasileiro enriquecem os saberes pedagógicos e perspectivas que o próprio Estado excluiu de nós. Os saberes e experiências de populações africanas, afrodiaspóricas, indígenas e latino-americanas constroem o transmodernismo, com filosofias culturais e antropológicas, romperemos o discurso eurocêntrico hegemônico.
A tese (de)colonial está presente nesta construção de progresso social e histórico, pois a colonização excluiu nossos saberes antropológicos, sendo um fator prejudicial para a própria autoanálise interna das experiências cotidianas. Somente construindo novas formas de pensamento e reflexão, com dedicação da sociedade civil, romperemos com a ignorância propiciada para a ausência de conhecimento coletivo em diversas áreas de nossas vidas.
Incluindo essa tese ao estudo, observaremos o racismo epistêmico, como meio para a criminalização da planta. A lei de 1830 que criminalizou o “pito do pango” e demais culturas do povo negro no Brasil, torna-se um parâmetro indispensável para notarmos que esse sistema nunca foi a benefício do povo, traduzindo o desejo do Estado em repressão e opressão das comunidades não-brancas.
Os colonizadores ainda estão entre nós, são glorificados por este sistema, seja pelo nome dos ditadores nas ruas, esculturas como a do Borba Gato, a própria sede dos governantes da cidade de São Paulo é o “Palácio dos Bandeirantes”. Ora, quem foram os bandeirantes senão aqueles que colonizaram este território, aplicando seus modelos necrófilos, de subjetivação e superioridade quanto aos povos que eram dominados. Partindo desse passo, entender a criminalização pela visão antropológica fluída pelas ciências sociais é o caminho para sairmos da inércia e romper com esse discurso racista e xenofóbico sobre a planta e incluímos os entendimentos históricos aos fatos sociais que o epistemicídio apagou da nossa cultura e história propositalmente.
Ao exemplo, se compararmos os cigarros que são usados, tanto o de tabaco como o de maconha, quais são suas diferenças ontológicas e antropológicas? O tabaco foi um meio de economia no sistema escravista, em que suma maioria dos seus comerciantes e consumidores eram brancos. Já a maconha era utilizada pelos povos marginalizados, sejam os negros ou nativos originários, desta forma, incluída aos sistemas criminalizatórios legalistas.
A supremacia branca dominou o sistema atual com suas perversidades. O eurocentrismo e o imperialismo imperaram em soberanias colonizadas, aos quais foram aplicados seus modelos de sistema e projeção do Estado sobre nossos territórios latinos americanos.
O exemplo apreciado acima reforça a ideia do por que drogas como cigarro e álcool são consumidas sem qualquer tipo de regulamentação em relação ao seu uso e o fato da maconha estar inserida no campo criminalizado. A criação de discursos preconceituosos e discriminatórios afastaram as populações negras e latinas do espaço que sempre deveriam ocupar desde a criação deste sistema. As oligarquias que detém o poder nas mãos ditam o “jogo” conforme seus interesses individuais, longe de qualquer preceito coletivo ou democrático, mas apenas visando o acumulo de capital, a exploração do ser e dos recursos naturais como meio para atingir lucros.
A antropologia juntamente com os saberes epistêmicos nos ensina que a cannabis sempre esteve ao lado do homem, pela sua característica versátil e sustentável, sendo meio econômico das sociedades antigas. A história da criminalização está fundada no fato histórico de quando a planta se move das fronteiras do Oriente e caminha para o Ocidente. A planta que era usada como fumo quando era consumida no Brasil, tal qual chamada como “o pito do pango”, usada pelas classes excluídas da sociedade, foi utilizada como meio para a criminalização não da planta, mas sim das comunidades que faziam seu uso.
O discurso do usuário e traficante idealizado pelos imperialistas que foram implementados pelos governos dos Estados Unidos da América, tendo seu estopim em meados de 1970, solidificou a visão do consumo de drogas ilícitas como aspecto epidêmico, subdividindo em classes os brancos e os negros ou latinos. O caráter do usuário era usado para as peles brancas, como um indivíduo de classe média que é “viciado” em drogas ilícitas, visto como o “doente” e a “vítima” da guerra às drogas. Já o traficante era visto como o “inimigo” do sistema, aos quais as características antropológicas se enquadram nas classes marginalizadas, ou seja, negros e latinos.
Discutir sobre o universo da antropologia para visualizar um determinado direito que é infringido por um sistema racista e xenofóbico, viciado na violação de corpos e na superioridade das peles, traduz em um Estado que nunca nos representou, pois seus mecanismos não foram criados para essa finalidade. Entender a planta incluída nesse discurso, notamos que a criminalização não é para todos, mas sim, para os estereótipos já modelados como inimigos.
Ao que tange o conhecimento jurídico, vale ressaltar contradições que são aplicadas para a sociedade civil, tendo em vista que a Constituição Federal/88 preconiza os progressos sociais e garantias fundamentais que visam os direitos humanos e deveres cívicos.
A CFRB/88 preconiza direitos como: a proteção à vida, qualidade de vida, criação de empregos, educação, saúde, sustentabilidade, proteção às culturas e modos de viver, religioso, consumista, taxação de impostos, etc. Quando inserimos a planta nesse meio, observamos que sua atuação perante a humanidade contempla esses temas que foram suscitados e diversos outros que são normatizados pela Lei Maior.
Ocorre que a ausência do Poder Legislativo para ampliar a regulamentação e normatização da cannabis no modelo legalista impõe uma lacuna no tema, ao qual a maconha continua inserida no sistema punitivista, prejudicando a própria sociedade que a proíbe, tendo em vista os exponenciais benefícios perante a implementação da planta aos sistemas legais e lícitos.
A lei de drogas nº 11.343/06, editada para que houvesse a diferença entre o usuário e o traficante, apenas contribuiu para a aplicação da seletividade penal, ampliando o número de encarcerados no Brasil e contribuindo para o caos social instaurado, sendo que cenário social se enquadra em jovens de 18 a 29 anos, negros e periféricos, encarcerados. Dados do IFOPEN classificou que entre 2006 a 2018, após a aplicação da lei de drogas, o número da população penitenciária aumentou em 500%.
Ou seja, a consequência social da aplicação dos modelos eurocêntricos e imperialistas contribuíram para o massacre e a violação de corpos não-brancos, afastando essa comunidade às margens da sociedade. Com a utilização da manipulação dos discursos racistas e xenofóbicos, da aplicação da seletividade penal por um sistema inquisitorial e influenciado pelas soberanias externas, foram propiciados discursos manipuladores para a desinformação da sociedade quanto ao tema, que levaram o encarceramento em massa e morte das comunidades que estão às margens da sociedade.
Sendo assim, o tema da maconha no Brasil visando às ciências sociais e antropológicas caracterizam um campo em que a planta foi inserida para o controle dos dominadores aos dominados. Por mais colonial que pareça ser essa afirmação, a realidade social e a história do Brasil ensinam a verdadeira face do Estado, tendo o artigo rompido com os discursos racistas e xenofóbicos que são ampliados e utilizados pela biopolítica e geopolítica que foram instaurados neste território pelas soberanias externas.
O transmodernismo juntamente com a tese da (de)colinização trará ao Brasil os entendimentos e saberes pedagógicos que foram excluídos de nós. A denúncia ao sistema que não representa o seu povo é um passo para discutirmos e debatermos situações graves que até hoje não estão sendo solucionadas pelo interesse da face oculta do Estado, refletindo suas consequências nesse cosmos coletivo que influencia a vida de mais de 212 milhões de pessoas.
O epistemicídio, juntamente com o genocídio e etnocídio, aplicado por um sistema necrófilo, influenciado pela geopolítica colonial, proporcionaram ausência nos conhecimentos e saberes filosóficos latino-americanas, modelo de manipulação para alienação em massa da sociedade civil brasileira, morte e subjetivação de corpos, essas são apenas sínteses dos instrumentos aplicados pelo nosso modelo colonial.
Ao nos depararmos com a face oculta do Estado, notamos que até hoje os colonizadores representam o interesse individual de uma pequena classe da sociedade. Os espaços de representação são limitados à supremacia branca, identificada pela figura do homem branco, heteropatriarcal e cristão, como representação universal dos padrões de humanidade.
Pois assim, o estudo conclui que os modelos eurocêntrico e imperialista influenciaram na diáspora das comunidades negras e latinas, excluindo e abandonando-os as margens da sociedade. Entender a cannabis com a visão antropológica, observamos os motivos pelos quais a maconha está inserida no sistema criminalizado, o que não condiz com seus benefícios que estão elencados com a Constituição Federal/88 e demais princípios e garantias fundamentais sociais.

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