CANNABIS QUEER E COMUNIDADE LGBTQIA+

Texto por: Marcel Lyra | Arte por: El Planteo

COMUNIDADE LGBTQIA+ E SEU PARALELO COM A GANJA!

Por muitas gerações o governo criminalizou a ganja, e o uso deliberado da planta em muitas revoltas políticas, como a contracultura, não é uma coincidência. Mesmo que a legalização pareça prestes a varrer o mundo nos próximos anos, a cannabis é inseparável das questões de justiça socioeconômica. 

Tanto a comunidade LGBTQIA+ quanto a cannabis têm mais do que sua história de resistência em comum. As duas comunidades foram injustamente demonizadas na opinião pública, onde a proibição da ganja e a política anti-LGBTQIA+ foram usadas como imperativos morais em vez de escolhas políticas intencionais.

Uma das conexões mais direta é o uso da cannabis como tratamento para a AIDS, que afetou desproporcionalmente a comunidade LGBTQIA+ entre os anos 80 e 90. Dada a relutância dos governos ao redor do mundo em reconhecer a existência e o efeito do vírus em uma comunidade que considerava dispensável, os pacientes com AIDS recorreram adivinha ao que? À Cannabis! Para alívio e um bem-estar físico e mental, tanto da doença em si quanto dos medicamentos prescritos, que muitas vezes eram igualmente prejudiciais, além do estresse mental de conviver com uma sociedade que te massacrava (e ainda massacra) por apenas ser.

Dos Estados Unidos para o mundo, os dois movimentos ganharam terreno na mesma época e defenderam populações marginalizadas, resistindo e dando a cara a tapa para mudar radicalmente o que a sociedade percebia como desviante e delinquente. Sem o trabalho intensivo e perigoso de ativistas Queer, em uma época com uma violência mais brutal ainda sobre esses corpos, a maconha não seria tão acessível hoje, dúvida?

Se você não conhece Dennis Peron e se considera ativista da cannabis então volte muitas casas. Amplamente creditado como o “Pai da Maconha Medicinal” na Califórnia, ele foi um ativista que trabalhou incansavelmente pelo acesso à cannabis para uso medicinal, começando com a comunidade LGBTQIA+ de São Francisco no auge da epidemia da AIDS. Seu parceiro, Jonathan West, morreu em decorrência da AIDS em 1990 mas antes ele pode perceber como a cannabis ajudou o companheiro, ele observou que a ganja aliviava a náusea, a depressão, a ansiedade e a dor nos últimos momentos de vida de West. Em 1994, Peron co-fundou, junto com Brownie Mary, uma ativista que assava brownies e distribuía para pacientes com AIDS, o Cannabis Buyers Club de São Francisco, o primeiro dispensário público de cannabis medicinal nos EUA enfrentado tudo e a todos em nome da planta.

Peron deixou um legado enorme, ainda contribui para o cenário atual da cannabis com seu trabalho onde foi co-autor do Compassionate Use Act de 1996, assim a Califórnia permitia que indivíduos possuissem quantidades limitadas de cannabis quando prescrito por um profissional de saúde licenciado.

Outra análise importante é que a ganja continua sendo uma questão LGBTQIA+ superior ao mundo heterossexual, dúvida também? É fato que pessoas Queer defendem e usam cannabis em taxas mais altas do que pessoas heterossexuais, uma pesquisa realizada em 2019 através da revista estadunidense Drug and Alcohol Dependence mostrou que que pacientes homossexuais e bissexuais consomem mais maconha do que pacientes heterossexuais. 

Analisando as respostas de 126.463 adultos americanos em todo o país, os pesquisadores descobriram que 26% das mulheres lésbicas disseram ter consumido mais cannabis, enquanto 40% das mulheres bissexuais disseram que o fizeram. Apenas 10% das mulheres heterossexuais relataram consumir maconha no mesmo período. Enquanto isso, 29% dos homens gays relataram usar cannabis no ano da pesquisa, em comparação com 30% dos homens bissexuais e apenas 17% dos homens heterossexuais. Você pode pensar “os heterossexuais mentiram”, isso mostraria de novo como devemos aprender com a comunidade queer a não ter medo de sermos quem somos, apenas pessoas comuns que usam cannabis. O fato é que coexistindo com taxas mais altas de depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático como resultado da opressão, o consumo mais alto faz todo sentido e se faz necessário.

Ainda mais necessário é falarmos de pessoas trans e sua relação com a ganja, o papel crítico da cannabis medicinal na saúde e no autocuidado de indivíduos transgêneros não é tão falado quanto deveria. Outra grande falha na comunidade canábica é a falta de estudos confiáveis ​​sobre o poder medicinal da cannabis para a comunidade trans, estudos que são praticamente inexistentes. 

Somente nos Estados Unidos, 40% dos indivíduos trans tentaram suicídio. Um relatório chamado “Transexualidades e Saúde Pública no Brasil”, do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT e do Departamento de Antropologia e Arqueologia, revelou que 85,7% dos homens trans já pensaram em suicídio ou tentaram cometer o ato. Simplesmente não se pode negar tratamento a um grupo altamente estigmatizado que tem uma prevalência de 42 a 46% de tentativas de suicídio, comparado a 4,6% da população em geral. 

A cannabis pode ajudar de diversas formas pessoas trans, de formas específicas e de forma ampla como ansiedade, insônia, disforia de gênero, depressão, ganho de peso relacionado à reposição hormonal e dor pós-operatória. A ganja deu visibilidade e voz para muitas pessoas e comunidades, chamou atenção para muitas doenças, agora passou da hora de reconhecermos que a cannabis é importante para a comunidade gay, não só como medicina mas como causa, e devemos isso para pessoas que lutaram pelo acesso democrático da planta. 

A tristeza maior é que a liderança LGBTQIA+ na indústria da cannabis continua faltando. À medida que a cannabis se torna cada vez mais reconhecida como um empreendimento comercial legítimo, as corporações dominadas por homens cisgêneros brancos e ricos empurram ativamente indivíduos Queer e pessoas negras para fora do empreendedorismo, um insulto às comunidades que abriram o caminho para a acessibilidade da cannabis. Estamos mesmo construindo outra indústria?